lunes, 28 de junio de 2010

A camisola doía

Papel aceita tudo

Continuo te amando, está escrito no visor do telefone celular. Continuo te amando, assim, sem ponto final, solto. Viver amando é outra coisa. Continuar amando são outros quinhentos cruzeiros. Escrever é só escrever, o papel (o visor) aceita tudo, disse um dia lá perdido nos anos alguém a quem ela amou tresloucada, lembrando dele e esquecendo de si, pra citar uma canção sertaneja romântica. Lembrar dele e esquecer de si, que forma de amor é esta? Amor às coisas da pessoa, ao seu respiro, amar quando se agacha para pegar uma chave que caiu no tapete, quando se barbeia, quando sai e bate a porta furioso, volta dois dias depois, detonado, camuflado, travado, rendido, sujo. Será que ela é a maior amadora no amor? Por que pensa que é a melhor que ama? A que sabe amar melhor do que ninguém? Estátua fez pra si na praça. Ninguém vai lá adorar. A pedra solitária e dura em que se transformou está lá, parada, resiste à chuva, aos cuspes, aos mijos, às cagadas, à pichação de "eu te amo' que outros como ela e diferentes dela fazem ao longo do tempo, selando o pacto publicamente para que a cidade saiba.


Também teve ela homenagem em pedra, e se vão uns 25 anos: na parede da curva de uma praça no centro de Porto Alegre, gravou ele o emblema que construíra em madeira como pingente para o colar. Gravou a piche, as iniciais dos dois. Por muitos anos, ficou ali, a história deles que nenhum jato de lavagem industrial conseguia eliminar. Emblemas não se lavam. Já o amor... é só abrir a torneira, a água que for irá desmanchar o amor.

Amar com a boca escancarada, mostrando todos os dentes, é o maior perigo de toda a vida. O maior mistério, a vida mesma, ali, acontecendo, e não podemos recuar, pois recuo não há. Ao saltar no precipício, em pleno voo está a pessoa, desesperada, balançando as pernas no ar. Não existe "Ah, não brinco mais", o desfiladeiro é real, pode encolher o corpo, baixar a cabeça para não ver, no entanto, e ademais, todavia, nevertheless... vai se perder de si. O inevitável. O ininventável.

Ninguém aguenta tanta liberdade. Entretanto, quase toda a gente aguenta, se viva. O amor é o salto no abismo, não o esborracho lá em baixo.

O esborracho é provável, mas se souber e quiser levantar o voo, e seguir no firme aumento de sua vida, poderá adiar. O esborracho.

Que vida não se adia.

domingo, 27 de junio de 2010

Caixa de areia

Faltando quatro meses para meus 47 anos, aprendi a cuidar de minha vida. Não vou dizer antes tarde do que nunca, porque não é tarde, porque cedo eu não tinha nenhuma vontade de cuidar de minha vida como isso realmente é, ou seja, ser eu mesma em qualquer circunstância, com momentos de não ser totalmente, mas juntando essas que sou ao final e ao começo das contas.
Pegar minhas bonecas e ir brincar em outra caixa de areia, eis o movimento que venho me ensinando há anos e que é o único que dá certo quando a caixa onde brincava começa a oferecer perigos, seja por caras feias de mães ou amiguinhos, seja porque a areia molhou da chuva, ou porque tem tanta criança brincando na mesma caixa que não dá espaço pra mim, ou simplesmente porque aquela caixa já não me serve e ponto. Levei quase 50 anos pra mudar de caixa de areia sabendo, mais ou menos, que faço isso com acerto, para respeitar minha natureza, para não pisar nas ou as outras crianças. Quase 50 anos para levantar do chão, não deixar nenhuma boneca para trás e sair discretamente, sem alarde. Sem alarde, sim, por que fazer alarde sobre mim mesma e meu desapontamento? Desapontamentos fazem parte da vida, caixas de areia existem em toda parte, caixas de areia boa são raras de encontrar, e posso ficar por algum tempo sem me deparar com uma que me satisfaça, e é isso mesmo, não vou ficar comendo areia onde já não tenho lugar.
Trincar areia nos dentes é ruim.
O que é ruim é ruim, levei quase meio século para descobrir. E o que é bom, é bom. Assim de simples.
E a tristeza de ter de reunir forças e partir para outra também é muito simples.
É só ficar triste.

jueves, 24 de junio de 2010

miércoles, 2 de junio de 2010

martes, 1 de junio de 2010