lunes, 25 de julio de 2011

Amor. Aos vivos. (aka 'Biofilia')

Chesney Henry Baker era filho de um guitarrista e viveu os dez primeiros anos de sua vida numa fazenda em Oklahoma. Chesney detestava as partituras. Morreu ao despencar da janela do hotel em Amsterdam, em 1988. (Meu pai o viu tocar em um clube de jazz em Nova Iorque. De volta ao Brasil, meu pai viu na TV a notícia da morte desse comovente trompetista, cantor, cuja interpretação da clássica balada My Funny Valentine ainda agora é muito mais do que música para os nossos ouvidos.)


Escrevo sobre Chesney Henry, o grande Chet Baker

Foi do pai guitarrista que Chet ganhou um trombone, apaixonados, os dois, pela música. Ele integrou a jazz band de Gerry Mulligan na década de 50; quase pôs fim à vida tomando uma overdose no Hotel Nacional, no Rio de Janeiro, estando lá para o Free Jazz Festival. Uma vez, foi preso, perdeu os dentes; isso parece ter prejudicado o som extraordinário que produzia no trompete.

Para que tocasse qualquer música, bastava lhe dar o tom. E com todo esse talento, viajou o mundo mostrando a que viera. Melhorou a interpretação, aumentou a emoção ao cantar lindas coisas como Almost Blue. Envelheceu. As rugas visivelmente espalhadas em seu rosto deixam que ainda se veja o rosto do menino. Do jovem belíssimo, Chesney.

Mergulhem no misterioso mundo desse norteamericano, nascido em Yale, em 1929. Como eu mergulhei.

Imagem: musicolatras.blogspot.com – esta imagem pode ter directos autorais.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Chet_Baker
Inspiração: http://www.youtube.com/watch?v=z4PKzz81m5c (Chet in Almost Blue)

Publicado em minha coluna Sapatos Magnéticos, do site www.superbem.com , da Clínica Verri.

Cygnus Atratus*


Para ler ouvindo a Suíte do Lago dos Cisnes, de Tchaikowsky.


É comum a gente dizer: “nem me passou pela cabeça uma coisa dessas”.

Um buraco no ventre, aberto a caco de espelho, pode não matar ninguém. Este buraco, aberto junto ao umbigo, dá a ideia de que quem o fez procurava ali alguma coisa. Procurava ali rasgar a alma, botar a alma para fora. Parece que os instintos, os desejos, que moram na alma, raramente passam “pela cabeça”. Me disse um amigo que adoro: “estes passam, por exemplo, pelo umbigo”. A cabeça, o pensamento, pouco registra das vontades mais fundas da gente.
O vulto que entra no palco tem os jeitos de cisne e é mulher. O costume envolve e cola no corpo, braços e mãos, e é negro. As plumas soltam no ar no instante do giro. As pernas volteiam, também no ar. O pescoço, de cisne e mulher, é altivo, assim como a cabeça, posta em seu lugar: em cima do pescoço. O olhar acompanha os movimentos do corpo, sempre para frente, olhar na altura dos olhos. E os braços, sustentando a massa de ar e brincando com ela, alongam a figura da bailarina que, no salto, ganha o terreno que antes não era seu. O cisne dança nas águas, poderia sumir no escuro do palco, tão negras as plumas, negras as pupilas. Mas o negro é a soma de todas as cores.
Fui ao cinema ver o Cisne Negro. Gosto de Natalie Portman, gostei do fato de ser a história de uma bailarina. Dançar sempre foi uma de minhas paixões, embora isso raramente tenha passado pela minha cabeça. Não posso, ou talvez vá podendo, enquanto escrevo, dizer do impacto que teve sobre mim o filme.
Nina é bailarina formada que vai se candidatar, entre outras de sua categoria, a dois papeis no ballet Lago dos Cisnes, de Tchaikowsky: o do cisne branco e o do cisne negro.
Na peça, uma dançarina vive presa dentro do corpo de um cisne, o branco. Só poderá ser libertada se seu amado vier lhe salvar. Surge o amante, mas o cisne negro o seduz, sensual e hábil. Fica a dançarina presa no corpo do cisne branco. Desesperada, se lança do abismo.
Fazer os dois cisnes, o branco e o negro, é o desafio de Nina, que passa no teste e ganha os papeis. A doçura característica da ave branca, a subserviência, a amabilidade, a leveza, a beleza, são fáceis de interpretar. Mas a vida selvagem que mora no cisne negro, seu poder de sedução, irreverência, desobediência e liberdade, confrontam a existência da própria Nina, até então uma jovem que se dedicou de alma e corpo ao ballet, filha única de mãe sozinha que através da jovem realiza o próprio sonho frustrado da dança, e para ela vive, totalmente. Os anseios de Nina, seus desejos mais selvagens, o germe da liberdade escondido nela e que agora quer se libertar de seu corpo, tal como a dançarina no ballet, parecem incompatíveis com sua rotina, o relacionamento com a mãe e consigo própria, e raramente lhe passaram pela cabeça.
Diz o coreógrafo: para o branco, és a melhor. Para o negro, terás de te deixar levar.

Ela quer. E não aguenta mais não ser livre.

Quer vencer a si, e si quer vencê-la. É o jogo que só se pode dar dentro da mesma pessoa. A única vitória é ser quem ela é.

Que a dança resulte magistral, pouco importa.
Esta lhe faz viver. Ei-la!


                                                                                                                           *Cisne negro, em latim.
 
Publicado em minha coluna Sapatos Magnéticos, do site http://www.superbem.com/ , da Clínica Verri.

John


Hoje, John veio me ver. Sentou na beira da janela, e, olhando pro campo de futebol lá embaixo, disse:

“Sabe... Não sou o melhor pai do mundo. Faço o meu melhor, mas sou muito irritável, fico deprimido, estou alegre e triste, alegre e triste, e ele tem de lidar com isso também – tirar e dar, tirar e dar.”
“É mesmo, John?” – me admirei. “ Pensei que você vivesse plenamente a paz e o amor que tanto proclamaram.”
O beatle continuou dizendo que claro, era justamente por isso que tanto defenderam a paz, o amor.
Porque o ser humano é tão alegre e triste, todo o tempo. E tudo o que faz, principalmente, aí está (e assim ele saiu da janela e veio sentar ao meu lado), principalmente, querida, tudo o que pensa, é por seu profundo egoísmo.
Vi os olhos de Lennon por trás dos óculos escuros de plástico azul. Conheceria Nietzsche? Talvez ele e Nietzsche fossem a mesma voz, só isso.
“Somos todos egoístas”, sorriu ele. “Mas acho que os chamados ‘artistas’ são completamente egoístas: pensar em Yoko, em Sean ou no gato ou em qualquer pessoa além de mim mesmo – eu e meus altos e baixos e meus míseros problemas – é um fardo.”
Tirei o violão do estojo, dei o lá menor, melhor antídoto para os meus problemas miseráveis, e ele começou:

“Girl... oh, girl...”
Eu mal posso expressar minhas emoções misturadas, minha falta de razão
Afinal, estarei sempre em dívida com você
Vou tentar expressar meus sentimentos mais fundos, meu agradecimento
Por você ter me ensinado
Eu sei que você conhece a pequena criança dentro do homem
Por favor, lembre, minha vida está em suas mãos
Me abrace forte, junto do coração
Mesmo distante, não estaremos longe nunca
Porque, na verdade, estava escrito nas estrelas
Eu nunca quis te deixar triste, te fazer sofrer
E vou dizer, mais uma vez, e uma vez mais, e sempre
Eu te amo, sim
Du-du-ru-du-du!

Fontes: Revista Rolling Stone nº52, janeiro de 2011

http://letras.terra.com.br/john-lennon/22581/
(com tradução a mais livre que pude de Woman, de John Lennon)

* Para ler ouvindo “Woman” (J. Lennon) e/ou “Girl” (Lennon & McCartney)

Publicado em minha coluna Sapatos Magnéticos, do site www.superbem.com , da Clínica Verri.

Acompanhante Terapêutico recupera assassino serial

 
Sheherazade cura Sheriar da obsessão de matar todas as mulheres virgens da cidade,

contando-lhe histórias antes de dormir.
Modus Operandi do rei persa Sheriar consistia em escolher uma virgem, casar-se com ela e, logo após a noite de núpcias, mandá-la decapitar pelo primeiro-ministro do reino.

A loucura de Sheriar começou quando ele flagrou a primeira esposa traindo-o com um serviçal do palácio. O rei pegou a espada e decapitou a esposa e o amante. Desde então, prometeu a si mesmo matar todas as jovens de seu reino, pelas mãos de seu primeiro-ministro.
Após três anos de chacina, já não sobravam muitas virgens para casar e matar. Sheherazade, a filha mais velha do primeiro-ministro, uma das poucas jovens do reino que sabia ler, pediu ao pai autorização para se oferecer ao rei como esposa, afirmando que tinha uma estratégia para demover Shariar de seu delírio homicida.
O primeiro-ministro acabou cedendo e Sheherazade casou com Sheriar. Na noite de núpcias, pediu ao rei que deixasse entrar no quarto sua irmã Duniazade para que esta contasse a ela uma história, como seu último desejo antes de ser morta.

Sheriar mandou entrar a irmã de Sheherazade, que se deitou no chão, ao lado da cama do casal.

Duniazade começou, então, a narrar as peripécias e aventuras daqueles tempos, enquanto o rei, furioso, bufava, resmungava e tossia, remexendo-se na cama. Acontece que o comportamento de Sheriar não intimidava a cunhada, que só interrompeu mesmo a narrativa quando a primeira claridade entrou pela janela do quarto.
Mas algo havia mudado na vida do rei Sheriar: ele estava interessado nas aventuras e peripécias narradas por Duniazade, com intervenções da esposa Sheherazade.
E, por isso, adiou a morte da rainha para a manhã seguinte, depois que ouvisse a continuação da narrativa daquela primeira noite. A partir daí, as duas irmãs se revezaram no relato das aventuras, sempre deixando, ao raiar do dia, novo motivo para que o rei desejasse conhecer o próximo capítulo.
Depois de mil e uma noites, Sheherazade mandou entrar no quarto do casal o homem que a mataria. Ao invés deste, vieram, pela mão de Duniazade, dois bebês e um menino.

“Estes são os nossos filhos”, disse a rainha Sheherazade ao rei.

Dizem que eles viveram felizes para sempre.

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*Para ler ouvindo Sheherazade, suíte sinfônica do compositor russo Rimsky-Korsakov.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/

Xerazard (do persa شهرزاد), grafado também como Xerazade, Sherazade ou Sheherazade, é a narradora dos contos das Mil e Uma Noites
 
Publicado em minha coluna Sapatos Magnéticos, do site www.superbem.com , Clínica Verri.

jueves, 3 de marzo de 2011

miércoles, 26 de enero de 2011