domingo, 2 de noviembre de 2008

este: o corpo


"(...) mas o que é o corpo?

meu corpo feito de carne e de osso

esse osso que não vejo

maxilares costelas

flexível armação que me sustenta no espaço

que não me deixa desabar

como um saco vazio

que guarda as vísceras todas

funcionando

como retorta de tubos

fazendo o sangue que faz a carne e o pensamento e as palavras e as mentiras

e os carinhos mais doces

mais sacanas

mais sentidos

para explodir como uma galáxia de leite

no centro de tuas coxas

no fundo da tua noite ávida

cheiro de umbigo e de vagina

graves cheiros indecifráveis

como símbolos do corpo

do teu corpo

corpo que pode um sabre rasgar

um caco de vidro

uma navalha

meu corpo cheio de sangue

que o irriga

como a um continente

ou um jardim

circulando por meus braços

por meus dedos

enquanto discuto, caminho

lembro

relembro

meu sangue feito de gases

que aspiro dos céus da cidade estrangeira

com a ajuda dos plátanos

e que pode

por um descuido

esvair-se

por meu pulso aberto

meu corpo que deitado na cama

vejo

como um objeto no espaço

que mede 1 metro e 70

que sou eu

essa coisa deitada

barriga pernas pés

com cinco dedos cada um

por que não seis?

joelhos e tornozelos

para mover-se

sentar-se

levantar-se

meu corpo de 1 metro e 70

que é meu tamanho no mundo

meu corpo feito de água e cinza

que me faz olhar Andrômeda, Sirius, Mercúrio

e me sentir misturado a toda essa massa de hidrogênio e hélio

que se desintegra e reintegra

sem se saber pra quê

corpo

meu corpo

corpo

...

pulsando há 45 anos

este coração oculto

pulsando no meio da noite

da neve e da chuva

debaixo da capa

do paletó

da camisa

debaixo da pele

da carne

combatente clandestino

aliado da classe operária

meu coração de menino(...)"


in Poema Sujo, Ferreira Gullar

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