domingo, 27 de junio de 2010

Caixa de areia

Faltando quatro meses para meus 47 anos, aprendi a cuidar de minha vida. Não vou dizer antes tarde do que nunca, porque não é tarde, porque cedo eu não tinha nenhuma vontade de cuidar de minha vida como isso realmente é, ou seja, ser eu mesma em qualquer circunstância, com momentos de não ser totalmente, mas juntando essas que sou ao final e ao começo das contas.
Pegar minhas bonecas e ir brincar em outra caixa de areia, eis o movimento que venho me ensinando há anos e que é o único que dá certo quando a caixa onde brincava começa a oferecer perigos, seja por caras feias de mães ou amiguinhos, seja porque a areia molhou da chuva, ou porque tem tanta criança brincando na mesma caixa que não dá espaço pra mim, ou simplesmente porque aquela caixa já não me serve e ponto. Levei quase 50 anos pra mudar de caixa de areia sabendo, mais ou menos, que faço isso com acerto, para respeitar minha natureza, para não pisar nas ou as outras crianças. Quase 50 anos para levantar do chão, não deixar nenhuma boneca para trás e sair discretamente, sem alarde. Sem alarde, sim, por que fazer alarde sobre mim mesma e meu desapontamento? Desapontamentos fazem parte da vida, caixas de areia existem em toda parte, caixas de areia boa são raras de encontrar, e posso ficar por algum tempo sem me deparar com uma que me satisfaça, e é isso mesmo, não vou ficar comendo areia onde já não tenho lugar.
Trincar areia nos dentes é ruim.
O que é ruim é ruim, levei quase meio século para descobrir. E o que é bom, é bom. Assim de simples.
E a tristeza de ter de reunir forças e partir para outra também é muito simples.
É só ficar triste.

2 comentarios:

Angela dijo...

Eli, que linda! Simples assim...

Gerson Lattuada dijo...

Metáfora sábia! De grande compreensão. Vou lembrar dela para sempre.